“Salvar vidas não é crime” – Mensagem JRS
O JRS tem acompanhado o caso do Miguel Duarte, português a braços com a justiça italiana na sequência da sua participação em missões de salvamento no Mediterrâneo a bordo do navio Iuventa. O Miguel e outros nove tripulantes foram constituídos arguidos em 2018, ano em que morreram cerca de 1450 pessoas no Mediterrâneo a tentar chegar à Europa em fuga por diversas razões, tais como perseguição, conflitos e, também, a miséria. Calcula-se que só o navio Iuventa tenha resgatado, desde 2016, cerca de 14 mil pessoas.
Assistimos com preocupação ao aumento da tendência da “criminalização da solidariedade”, mostrando que, infelizmente, o caso do Miguel e dos nove voluntários não é único na Europa. Casos como este têm-se multiplicado e têm posto em causa não só ONGs, mas também cidadãos comuns, como médicos, bombeiros, jornalistas, professores e voluntários.
Um estudo da Resoma (Research Social Platform on Migration and Asylum) fez o levantamento de casos de cidadãos nesta situação – formalmente acusados ou sob investigação – e concluiu que o número subiu de 8 em 2015 para 24 em 2018. Atualmente, há 49 casos em 11 países da UE (Bélgica, Croácia, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Itália, Holanda, Espanha, Suécia e Reino Unido), englobando 158 indivíduos que agiram com propósitos humanitários e sem ganhos financeiros. A tendência continua, apesar da descida em 90% das chegadas irregulares à Europa, em 2018, o que vem defender a tese de que há uma tentativa, em muitos países, de usar ferramentas judiciais para desencorajar a vinda de migrantes e impedi-los sequer de chegar a porto seguro, não obstante as suas obrigações humanitárias e de defesa dos Direitos Humanos.
O JRS e muitas outras organizações a trabalhar no terreno têm vindo a defender, há alguns anos, a revisão do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) e o Regulamento de Dublin que, em último caso têm alimentado esta “crise de desembarque”, como lhe chamou a ECRE (European Council on Refugees and Exiles), plataforma à qual o JRS Europa pertence. O seu documento “Relying on Relocation” alerta para os perigos de acordos ad-hoc que alguns Estados-membros adotaram para responder aos pedidos de desembarque nos seus portos, optando por uma estratégia “navio a navio” que consideram “política e legalmente insustentável” por razões que vão desde o sofrimento acrescido e a violação de direitos humanos (casos de pessoas doentes a bordo impedidas de receber assistência médica) até aos custos e cargos administrativos e danos reputacionais para a própria UE. Esta plataforma propôs, no início deste ano, um “plano de contingência” para o desembarque e recolocação, envolvendo a partilha de responsabilidades entre os Estados-membros do Mediterrâneo e restantes, assim como a discussão de interpretações comuns à Lei do Mar para responsabilidades no salvamento.
O JRS Europa tem trabalhado em conjunto com a ECRE no sentido de criar estas recomendações e pressionar as entidades europeias a criar acordos comuns e vias legais e seguras de acesso à Europa que visam beneficiar não apenas os migrantes, mas também os cidadãos europeus. Neste tema, em particular, concordamos que é preciso salvar primeiro e discutir depois.
Em conjunto com outras 10 organizações católicas europeias, o JRS Europa aproveitou o relançamento desta discussão para apelar novamente a que os valores fundadores da União Europeia, tais como a liberdade e justiça sejam reflexo da política do dia-a-dia, pedindo concretamente:
– A criação de vias legais e seguras de acesso à luz da dignidade inviolável de cada ser humano e fundadas nos valores que definem as sociedades europeias, tais como a compaixão, solidariedade e hospitalidade. Entre estes encontram-se a Reinstalação, Reagrupamento Familiar ou Vistos Humanitários;
– A definição de um Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) efetivo e humano que não externalize a responsabilidade da UE, principalmente através de acordos com países terceiros que não defendem os direitos humanos e colocam em risco a vida dos migrantes (Exemplo: Ataque a centro de migrantes na Líbia). A Europa deve responsabilizar-se pelas pessoas que requerem asilo;
– Um futuro sistema de Dublin ou outro que seja responsável pela divisão de responsabilidades que providencie a proteção efetiva dos requerentes de asilo e tenha em consideração os laços familiares, razões pessoais e preferências para determinar o país responsável pelo processo, facilitando a sua integração no país de acolhimento e não sobrecarregando os primeiros países de chegada.
O JRS acredita que o próximo Parlamento Europeu terá a obrigação de criar as condições para que estes pedidos sejam finalmente ouvidos, diminuindo, cada vez mais, as mortes no Mediterrâneo, garantindo que há uma efetiva solidariedade entre Estados que fazem parte de uma verdadeira União e assegurando que nenhum cidadão da Europa possa ser criminalizado por ajudar outro ser humano.
Campanha Miguel (Hubb): https://ppl.pt/causas/miguel
Campanha UE: www.weareawelcomingeurope.eu
Partilhe...