JRS Europa: Movimentos secundários como resultado de um sistema com falhas
Se perguntarmos a qualquer político na Europa qual deveria ser a prioridade da reforma do sistema de asilo da União Europeia (UE), provavelmente este apontaria a necessidade de prevenção dos “movimentos secundários”, ou seja, evitar que requerentes de asilo e refugiados viajem entre os vários países da UE depois da sua chegada a território da UE.
Para a UE, é uma questão de eficiência: num sistema comum, o pedido de asilo de uma pessoa deve ser totalmente processado por um Estado-Membro, de forma a evitar duplicar trabalho. Este princípio está no centro do Regulamento de Dublin, o instrumento da lei da UE que estabelece as regras para determinar qual o Estado-Membro da UE responsável pela análise do pedido de asilo de uma pessoa. Se as pessoas continuarem a mover-se entre os países da UE, colocam em risco o bom funcionamento deste sistema.
Este sistema está, no entanto, repleto de falhas, uma vez que se baseia na suposição errada de que cada Estado-Membro garante o mesmo nível de proteção e condições de acolhimento para todos os requerentes de asilo. A experiência do JRS Europa diz-nos que a mudança entre os países da UE é muitas vezes necessária para os requerentes de asilo e refugiados encontrarem uma proteção verdadeira na Europa.
Jawan: desejo de se reunir com a família
Jawan, um requerente de asilo afegão, viajou de Cabul para o Paquistão, depois para o Dubai e para Malta, de avião. Ficou lá durante dois dias antes de voar para a Áustria, onde tinha familiares. Tudo corria bem até à sua segunda entrevista com as autoridades austríacas. “Eles disseram-me que eu seria mandado de volta para Malta porque foi lá que entrei pela primeira vez na Europa”, explicou ao JRS Europa.
A presença de membros da família na UE é o primeiro critério do Regulamento de Dublin que as autoridades dos Estados-Membros devem ter em conta ao determinar qual o país responsável pelo processo do requerente de asilo. No entanto, a definição de família é muito rigorosa e aplica-se apenas ao cônjuge e a filhos menores de 18 anos. A presença de outros familiares, como no caso de Jawan, não é tida em conta. Apesar de cada Estado-Membro poder decidir o reagrupamento familiar com outros familiares à luz da Lei de Asilo de cada país, na prática raramente o fazem.
A pouca consideração do Regulamento de Dublin com os laços familiares é uma das razões mais comuns para os movimentos secundários. O JRS é testemunha de todos os esforços que as pessoas fazem para estar com a sua família, mesmo que existam vários Estados-Membros a separá-los. Se os governos da UE fizessem um esforço maior para reunir estas famílias, as pessoas poderiam descobrir que se podem estabelecer num determinado país da UE, desde que o processo de asilo e as condições de vida estejam de acordo com o padrão.
Sayid: procura de condições humanitárias de acolhimento e oportunidades de integração
Sayid é um sírio que esteve em Malta durante mais de um ano quando o JRS falou com ele. Fugiu da guerra na Síria em busca de proteção na Europa. Sayid chegou pela primeira vez à Grécia, mas acabou por sair devido às terríveis condições de acolhimento de refugiados. Depois de seis meses na Alemanha, partiu para Malta.
“Eu achava que em Malta seria mais fácil conseguir um emprego e aprender a língua”, explica Sayid. “Eu também já conhecia algumas pessoas lá.” O que Sayid não sabia era que a Alemanha lhe concedera o estatuto de refugiado depois da sua partida. Tendo isto em conta, Malta decidiu devolvê-lo à Alemanha, aplicando o Regulamento de Dublin.
O JRS Europa encontrou muitas pessoas como Sayid que se mudam de um país da UE para outro porque no primeiro experienciaram condições de acolhimento desumanas ou o processo de asilo era inacessível. Este é, por exemplo, o caso da Grécia.
Além disso, ter um estatuto de proteção não é suficiente por si só. Tal como todos os outros, Sayid precisava de encontrar um lugar para morar onde se pudesse integrar facilmente, encontrar um emprego, partilhar uma língua comum e estar com pessoas da sua comunidade. O atual Regulamento de Dublin não dá, no entanto, lugar à consideração das opiniões e preferências dos requerentes de asilo em tais assuntos.
A situação de Sayid ilustra também outro paradoxo importante no sistema de asilo da UE. Ao contrário de uma decisão negativa sobre um pedido de asilo, o reconhecimento de um estatuto de proteção não é válido em toda a UE. O facto de Sayid ter sido reconhecido como refugiado na Alemanha, apenas lhe dá autorização para residir lá. O Regulamento de Dublin não determina, portanto, apenas onde o seu processo será tratado, mas, em última análise, também onde terá de se estabelecer se for reconhecido com o estatuto de refugiado. Isto tem um impacto crucial no caminho para a integração destas pessoas.
Necessidade de uma mudança política radical
Os movimentos secundários são indesejáveis, tanto para os requerentes de asilo, devido a prolongarem ainda mais as suas já longas viagens em busca de proteção, como para os Estados-Membros, já que redobram o trabalho e, muitas vezes, este é ineficiente. A única maneira de realmente preveni-los é reconhecer que os movimentos secundários são uma consequência óbvia de um sistema com falhas e começar a tentar lidar com elas.
O JRS Europa defende uma mudança política radical visando, em primeiro lugar, garantir condições dignas de acolhimento e processos de asilo rápidos e justos para todos os requerentes de asilo em toda a UE. O sistema de Dublin deve ser reformulado para garantir que as preferências dos requerentes de asilo sejam tomadas em consideração quando é decidido qual o Estado-Membro responsável por cada pedido.
As histórias apresentadas neste artigo fazem parte do relatório “Esquecidos nas portas da Europa: preocupações com a proteção na fronteira externa da UE” que o JRS Europa apresentarou no dia 19 de junho de 2018, em Bruxelas. Pode consultá-lo aqui. (em inglês)
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